Vemo-nos por aí...

sábado, 23 de agosto de 2008

Esperança vã

Nessa esperança vã, cadinho de sentimentos quase moribundos, aguardo-te ainda, como no primeiro dia dessa partida longínqua e definitiva.  Girou tantas vezes o globo, essa Terra que todos insistem em ver redonda. Se o fosse, regressarias como partiste e a vã esperança seria a mais convicta das certezas. Da certeza de te abraçar de manhã, de te olhar nos olhos, de sorrir contigo, de te dar a mão. Da certeza de te mostrar paisagens incríveis, lugares recônditos, o que há para lá do que todos vêem. Da certeza de te esperar todos os dias, de te ouvir, de te fazer esquecer os medos e as angustias que às vezes afligem. Da certeza de me transformar incessantemente em amigo e amante, numa volúpia intangível de tudo querer para ti.  Da certeza de poder ousar querer querer-te. Mas não é. A terra continua plana como sempre o foi e, por isso mesmo, regressarás outro. Eu, cultivando a vã esperança, aguardo-te ainda assim, sem expectativas, mas com o coração a bater forte. As primeiras dependem de mim, refrio-as eu. O segundo já é teu, resta-me ouvi-lo, em vão...


segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Intervalo dos sentidos

Extenuados, os sentidos vão dando de si. Resisto ainda a um sopro de brisa, a um raio de luz, restos de ti que vou apanhando aqui e ali. Apesar de tudo, ainda deixo escapar alguns suspiros.  Cada vez mais se exige um intervalo. Um intervalo de sentir, de completa anedónia, de vácuo. Um intervalo onde ser é não estar e, por derivação paradoxal, não estar é não existir. Não existindo não se é e, enfim, tudo é vazio, ausência que tudo abrange mas não preenche.  Neste intervalo de tudo sentir desponta, tímida, nova aurora de amor, corolário de fim e de principio de um caminho, transmutação alfabética em que alpha e omega invertem posições... 


quarta-feira, 13 de agosto de 2008

De nihilo nihil

Para que lado meus passos caminham,
para que rosto meus olhos brilham,
em que tempo os pensamentos trilham
os mundos novos,
onde ardem outros fogos,
onde me possa queimar.

E nesse fogo que devora,
onde nem Cronos mora,
me perderei ao achar
os caminhos que devem pisar
os passos, que agora perdidos,
serão, nesse tempo, apenas esquecidos...

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sei que sim

Não consigo explicar porque te vejo em todo o lado, porque te ouço, porque te sinto, porque te cheiro. Não consigo explicar porque olho perdido a noite escura e te espero ainda, mesmo sabendo que não vens, que nunca virás. Não sei porque acordo de manhã e me lembro de ti e te procuro encontrar. Não sei porque penso em ti o dia todo, a cada instante, mesmo quando te procuro afastar. Não sei porque te espero com o entardecer, no reflexo crepuscular que me brilha no olhar. Não sei porque esboço ainda alguns sorrisos, se a esperança mais não é do que um frio passado. Não sei porque ainda suspiro, se a chuva forte abafa as poucas forças que ainda me restam. Não sei porquê, não sei para quê, sei que sim...

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Regresso ao tempo do mundo

Porque mesmo que a Terra seja plana, a circularidade espraia-se nas idiossincrasias a que nao posso fugir. Nessa certa forma de ser e de estar a que me vou habituando, mas que nem por isso se aproxima do que o mundo espera, perco-me em Para-lá-do-mundo e regresso, ipsis verbis, a uma das primeiras telas que aqui pintei. Tão verdadeira hoje como nesse Janeiro longinquo, acrescento-lhe apenas as cores de estio e alguns suspiros que deixo escapar.
 
A vida corre certa, tranquila, sem mais delongas do que encontra o mais banal dos seres ou, avisas-me tu amigo atento, dos quase-seres. Em mim me escondi um dia, vagueando nas mais fundas paragens do espírito, certo de não mais me achar. Quando assim, mantenho o passo discreto das horas mansas, dissolvido nas multidões que não conheço, ignorando mundos estranhos e acreditando que a vida é aqui, onde estou.
Que mais deveria querer, não é? Encontrar-me em ti, amor ausente que desperto. Não corro senão apenas quando me chamas ou te julgo ver ao longe. Não me sei perdido, senão quando te sinto ser, te sinto estar.
Enquanto não conheço outra senda que não eu, aguardo, sereno, que me apontes novas idas. Angustiado? Não, de maneira nenhuma. Em mim nunca me perco e para ti, sim, para ti, tenho todo o tempo do mundo…


quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Talvez não


Não há talvez!
A ilusão se desfez
e com ela morreu
o que nascido não viveu,
restanto a desolação
de talvez se escrever agora
sempre e a toda a hora
na forma rotunda,
profunda,
de um não.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Talvez, talvez.


Talvez.
Talvez seja uma miragem
essa outra margem
onde te espero encontrar,
talvez.

Será um sopro de vida,
talvez Ágape reflectida
no pouco que me é dado a ver.
Talvez...

Ou será o bulício,
talvez Eros em solstício,
princípio e fim do caminho.
Talvez...

Talvez seja tudo e nada
outra obra inacabada
(talvez até terminada),
manta de Ítaca que jaz
quando um tece e outro defaz
em eternos momentos profundos
que duram alguns segundos
e não toda a eternidade,
símbolo de uma outra felicidade.

Talvez seja tudo ilusão
e apenas reste uma mão
vazia,
fria,
sozinha,
minha.
Talvez, talvez.