Vemo-nos por aí...

terça-feira, 31 de março de 2009

Irreprimível

Chega quase a ser frenético o ritmo. Sinto os olhos cansados, sinto o peso de tantos compromissos, tenho até a horrível impressão de que para fazer tudo acabo por fazê-lo menos bem do que gostaria. Os dias passam com uma velocidade sem tangências. Os prazos esgotam, a energia vai dando de si. Quase vivo nesta secretária e faço já parte da paisagem que vejo da janela.
Apesar de tudo, não consigo paraR de sorrir. A vida continua a ser essa coisa fantástica que nunca neguei e o mundo, bem, esse, passaste a ser tu.
Levanto agora mais vezes a cabeça e contemplo os jardins, desvio o olhar com frequência e, não raras vezes, sem me aperceber, voo por aí e vou ao teu encontro. Solto uma gargalhada e volto ao trabalho. Afinal, talvez sinta uma energia irreprimível.


sábado, 28 de março de 2009

Le beau temps

Desbarato sorrisos por aí. Desbarato sorrisos porque que te sinto e vejo em todo o lado. Desbarato sorrisos porque te imagino a cada instante, porque te desenho e pinto em cada paisagem. Desbarato sorrisos quando me lembro do teu toque e do teu cheiro, arrepio-me quando penso no teu abraço e fico com aquela cara de parvo, encostado à janela a ver o sol, quando revejo o teu sorriso.

Ouço-te no intimismo do jazz, sinto-te no calor do merengue e da salsa. Cheiro-te na minha almofada e deixo escapar um sorriso de puto. Suspiro porque não te tenho aqui e, sem me aperceber, voo para ti.

Tenho vontade de me perder na noite, de dançar até altas horas, de rir alto, de tomar um copo. Tenho vontade de fugir contigo e nunca mais voltar. Tenho vontade de ficar a olhar para ti enquanto dormes e de tocar no teu rosto, de mansinho. Tenho vontade de te roubar um beijo, de fugida, mesmo nas barbas do mundo, esquecendo as convenções que não me permitem rebolar contigo na relva. Tenho muita vontade de me sentar contigo no sofá e trocar sussurros, de te falar ao ouvido, como se alguém pudesse ouvir.

Tenho vontade de mil e uma coisas novas que ainda não vivemos, de tantos planos que ainda não fizemos. Para já, mil e um são os sorrisos que continuo a desbaratar quando penso em ti.


terça-feira, 17 de março de 2009

Maluquices

Cansado, esgotado de dias de muita pressão, de olheiras carregadas, na véspera de outras contas, resta-me apenas espaço e energia para algumas maluquices. Sozinho, numa universidade já deserta, num edifício onde devo ser a única coisa que ainda respira, esqueço as convenções e o formalismo. Esqueço até a rigidez que imponho e me imponho e, nas enormes colunas de som, projecto essa música caliente. Ouso até dançar um pouco e deixar sair a alegria pelos pequenos sucessos diários, agora que já cá não está ninguém para os partilhar. 
Mesmo que não existas, que não te encontre, que nunca mais te procure. Mesmo que tenha que ficar pelos sonhos, pelas telas que todos os dias reinvento. Mesmo assim, quando bater a porta daqui a pouco e fazer a caminhada diária até casa, não encontro, hoje como em tantos outros dias, razão para não sorrir. Afinal, continua ainda a fazer-me muito sentido a descrição que um dia, alguém, olhando-me com muita muita complacência, me fez: competência, trabalho e elegância na vida. Acho que hoje, ao ver-me naqueles devaneios, não teria dito ou mesmo. Pelo menos teria acrescentado: estupidez natural.

domingo, 15 de março de 2009

Para "sempres"

Para sempre.
Para sempre parece ser o sonho de te encontrar, de te saber perto. Para sempre pareço ser eu, projecto inacabado de ser. Para sempre parece ser o sorriso que insisto em manter. Para sempre será a crença inabalável de que o mundo, mesmo plano, vale sempre a pena. Para sempre é a certeza de caminhar firme, apesar de todos os sinais te dizerem para parar. Para sempre é a presença constante que não nego. Para sempre é a bondade de ainda acreditar que todos procuram o mesmo, esse pedacinho de ti. Para sempre são os suspiros que não encontram retorno. Para sempre são as eternas paisagens em que te vejo. Para sempre é a pedra onde me sento ao sol e esqueço que não existes. Para sempre é o livro para onde escapo, deitado na relva, e vivo o que apenas me é dado sonhar. Para sempre são os sucessos que se vão conquistando, pequenas batalhas diárias que te ocupam a mente e o espírito, onde colocas todas as forças. Para sempre são as suas consequências, com todos a pedirem-te sempre mais, num sufoco a que se resiste com heróico sorriso. Para sempre será a vontade de perguntar a quem está ao teu lado, mesmo que te seja indiferente, se está bem. Para sempre será a vontade de que seja ele a perguntar. Para sempre é o tempo dos silêncios, destas longas horas de corredores vazios de gente, num campus deserto de domingo. Para sempre é o sol que reflecte na secretária, a brisa fresca que entra pela janela, os olhares que vou lançando para a o jardim quando a malta, em ruído, passa por aqui. Para sempre é bater uma porta vazia e fazer também em silêncio o percurso para casa, altas horas, noite fria. Para sempre chegar a uma pequena casa adormecida, que me acolhe com a bondade de todos os dias, com a mesma ausência sentida de ti.
Para sempre. Para sempre. Para sempre é dormir pouco e, ainda assim, acordar bem cedo, distribuir sorrisos pelo caminho e, com a mesma vontade, repetir mais um dia tantos “para sempres”.

terça-feira, 3 de março de 2009

Partidas

Finalmente algum tempo para parar e regressar. As partidas são sempre tão constantes como os regressos. Entre umas e outros, vamos encontrando ilusões de porto-seguro, ombros em que não chegamos a repousar, olhares de espelho onde vimos apenas reflectidos os desejos que alimentámos.

Quando paramos, como agora, depois de longos dias e compridas noites de trabalho, de olheiras carregadas, de sonos por dormir, regressam todos esses mundos que queremos esquecer, suspiros alados que não nos largam, que disfarçamos, mas não conseguimos esconder. Procura-se novamente um sinal de ti. Sente-se novamente a ausência. Renasce o impulso para outras partidas, para não mais regressar.

Importa partir para não mais regressar, evidência verdadeira de que se encontrou o caminho e alguém para o partilhar. Certeza de viver os sonhos de que se começa a duvidar. Presente sem passado nem futuro, porque apenas há que viver e sentir. Sem reflexões, filosofias, entrelinhas do que não se é capaz de dizer.

Enquanto e não, vou sentido a fria leveza da mão vazia e, quando não resisto, deixo-me levar até ti, de quem nunca mais tive notícias. Passam-se os dias com a banal tranquilidade de outros tempos, refugio-me nas páginas de outras vidas, nas solicitações constantes do trabalho, no estudo diário de problemas intangíveis, nos apelos dos amigos.

Sorrio ainda, ante a certeza inabalável de que sempre me terei a mim e de crer que “tudo possa ainda ser eterno num segundo”. Soltem-se os gritos mudos que não calo, corram as lágrimas que não choro, morram os suspiros que não guardo, encontrem-se os olhares perdidos, dêem-se as mãos vazias, mas nunca, nunca se deixe de partir para te encontrar.