Vemo-nos por aí...

sábado, 31 de janeiro de 2009

Vontade

Na turbulência de um dia de trabalho, entre as solicitações constantes, o trabalho que sempre se acumula e o tanto que gostaríamos de ainda fazer. Entre o cansaço de jornadas sem fim, entre a pressão de prazos para cumprir, entre os olhares que reclamam a atenção que não se tem ou não se quer dar, mas que nunca, nunca se é capaz de negar. Entre o barulho da chuva forte e uma chávena quente de chá que alguém gentilmente ofereceu. Entre o peso das exigências e as expectativas que sempre insistem em depositar. Entre os compromissos a que não se pode fugir, entre a boa disposição que sempre se tem que mostrar. Entre a imagem que tens que cultivar, figura inabalável que nunca quebrará. Entre o espaço do que se tem e do que se sonha. Entre um mundo que se imagina real, mas que mais não é do que a realidade imaginada. Entre tudo e nada permanece inabalável a vontade de te ver.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

:)

Alvorada. Pouca importa se faz chuva ou sol, deixou de ser importante. O mundo parece ainda estar a dormir. Até o passarinho que dorme no varandim parece não querer acordar. Enquanto tomo o leite quente, respiro um pouco de ar fresco e vou escutando, lentamente, o mundo levantar-se. A passo largo saio para a rua deserta. Vou brincando com os restos dos sonhos, como se ainda dormisse. Talvez por isso não o consiga esconder e a velhinha da rua, que ainda não percebi porquê parece nunca se deitar, não resiste a comentar “tanta alegria que o menino leva hoje”. Divido com ela um bocadinho do que é para ti. Mesmo que não vejas, mesmo que não saibas, mesmo que não deva, sorrio ao imaginar-te.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Muitas vezes...

Muitas vezes escapo. Tenho vontade de deixar o mundo dos sentidos. A este ainda consigo fugir, ao outro, o do sentir, já não. São as eternas idiossincrasias de quem balança entre a tranquilidade dos dias banais e aquele aperto no peito tão conhecido de todos.
Muitas vezes escapo. Tenho vontade de regressar à torre de narciso, de onde posso ver o mundo de longe sem me comprometer. São as hesitações de quem balança entre o conforto de apenas ser espectador e o vazio de não se envolver.
Muitas vezes escapo. Tenho vontade de vestir o meu velho manto de Merlin e, com a leveza dos gestos tantas vezes praticada, pegar no mundo ao colo e, mesmo cansado, sorrir.
Muitas vezes escapo. Tenho vontade de me esconder no cantinho do quarto, encostar o queixo nos joelhos e adormecer encostado à parede. São as esperanças de quem ainda sonha com um toque no ombro e aquele olhar cúmplice.
Muitas vezes escapo. Tenho vontade de gritar o silêncio, de esquecer os medos que me prendem e abafam. De gritar esses silêncios mudos que o olhar tantas vezes denuncia.
Muitas vezes escapo. Tenho vontade de te imaginar, única forma de te sentir perto, de te ter comigo, de te poder abraçar.
Quando não escapo, vou-me perdendo por aí, à espera de te encontrar.


segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Tempo

Tudo ganha novo significado quando, cá dentro, as coisas vão crescendo. Até um silêncio mais prolongado soa diferente. O que de outra forma teria uma leitura perfeitamente banal, tem agora um peso maior. Na ausência de um sinal de ti, começa o chão a tremer e o olhar vagueia em todas as direcções. Surgem alucinações auditivas e pareces ouvir a todo o momento o beep de mensagem e, como se de uma ordem judicial se tratasse, o coração dispara imediatamente. Começam os sintomas de uma forte ressaca. Sinto-me distante, perdido. O pensamento foge com rapidez para perto de ti e dificilmente te larga.
O tempo é agora elástico e comporta-se de uma forma quase helicoidal. É enorme quando não estás por perto e é curto, muito curto, quando te sinto aqui. Conta-se em largas horas quando estás longe e mede-se em pequenos minutos quando estás ao meu lado. Ainda não sei se o tempo é ou não meu amigo. Sei que é presença constante e que tem um ritmo diferente quando sei ou não de ti.



(Melhor qualidade de som em http://www.myspace.com/uhfrock - 5. O Tempo é meu amigo)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Insónias de adolescente

Há muito que não saía à noite para a rua e escutava o silêncio da aldeia. Talvez porque há muito, apesar do cansaço e de algum sono, não sentisse insónias de adolescente. Sim, insónias de adolescente. Essa vontade de não adormecer e de imaginar, vezes sem conta, a mesma cena. De rodar o filme inteiro, deitado no muro, com as mãos atrás da cabeça, sobre um céu estrelado e quente. Ou então, mesmo a chover, mergulhar de roupa e tudo na piscina e sentir a jovialidade que só alguns sentimentos nos trazem.
Para já, porque nem o céu está quente e estrelado, nem a cautela de sempre me permite, vou rabiscando alguma poesia. Nem sei se posso chamar poesia a estes arabescos de adolescente.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Há dias assim!

Há dias assim. Bonitos. Perguntas-me tu, leitor atento e silencioso, o que há de diferente hoje? Que frio e que cor cinzenta são capazes de tornar um dia assim, bonito? Desculpa a minha ousadia, talvez até arrogância, mas frio? Cor cinzenta? Não reparei no tempo, nem se o céu está às cores ou se é o mesmo de ontem. Não reparei sequer se o sol nasceu ou se é apenas uma lua mais brilhante. Há dias assim, em que a contagiante alegria do sentir pinta sorrisos em todos os rostos. Há dias assim, em que me apetece gargalhar, dançar em cima de um banco de jardim, dar um beijinho de ternura à velhinha do fim da rua, jogar à bola com os pinguins do largo, cumprimentar efusivamente o segurança da entrada. Há dias assim, em que me apetece carregar o mundo, em que me apetece ultrapassar-me e entrar no hall principal e, sem mais, esquecer o banco de jardim e pôr todo o mundo a dançar. Há dias assim!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Sinto...

...poesia no ar, sinto-a bem perto, a sussurrar-me ao ouvido, a passar-me na pele, a banhar-me os olhos, a tocar-me na mão. Sinto-a sempre que penso em Ti, sempre que me dás um sinal, sempre que o teu mundo toca, mesmo que por instantes, o meu velho paraíso perdido. Sinto-a em cada sorriso que lanço, em cada suspiro que disfarço, em cada palavra que me ocorre dizer-Te. Sinto-a nos sonhos que me assaltam, nas imagens que me perseguem, nas paisagens que me inundam. Sinto-a até no silêncio onde faz eco o bater do coração, cadência cada vez mais forte e audível.

Leio o amor no livro da tua pele;
demoro-me em cada sílaba,
no sulco macio das vogais,
num breve obstáculo de consoantes,
em que os meus dedos penetram,
até chegarem ao fundo dos sentidos.
Desfolho as páginas que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio de um roçar de palavras que se juntam,
como corpos, no abraço de cada frase.
E chego ao fim para voltar ao princípio,
decorando o que já sei,
e é sempre novo quando o leio na tua pele.

(By Nuno Júdice)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Procuro-te

Perco o olhar pelos jardins que se estendem para lá da janela, como se fossem apenas uma continuação infinita da secretária cheia de livros, de papéis, de outras tantas tralheiras e de algumas cumplicidades.

Vejo-te na paisagem difusa que só a abstracção permite, como te vejo em cada pormenor, ponto fixo onde se prende o olhar. Na verdade vejo-te sempre, em todo o lado, a cada momento. E por te ver, procuro-te. Procuro-te longe, esperando encontrar-te bem perto. Procuro-te às vezes, esperando encontrar-te sempre. Procuro-te por aqui, esperando encontrar-me aí. Procuro-te onde me encontrar e, então, partir para desencontros a dois.


sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Luar


Alta noite. Neste regresso a casa, sob um luar silencioso, ouço o bater que há muito não escutava. Procuro disfarçar o que a razão me diz não fazer sentido. Chego a esboçar uma música, mas a primeira que me ocorre acelera mais ainda o coração. Imagino mil momentos. Imagino o que talvez nunca aconteça. Paro, recomponho-me. Tento mais uma vez chamar a razão e conter os devaneios que me assaltam. E assim, sem me aperceber, apesar do frio gritante, fico praticamente parado, a olhar ti com aquele sorriso parvo de que sempre desconfiei. Pelo menos voltaste a falar comigo, pedaço de céu itinerante. Há muito que não o fazias. Nem me lembro de teres aparecido nos últimos meses. Talvez sempre aí tenhas estado, eu é que não tinha porque me perder a olhar para ti.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Conquistar o impossível

Respondendo ao desafio de listar os meus sonhos para o novo ano, não posso deixar de dar uma gargalhada ao pensar como sempre abominei as correntes do lê e passa. Optei mais uma vez por não o fazer, mas nem por isso deixarei de responder ao repto, pedindo naturalmente desculpas a quem de direito. Com a leveza que acho dever manter, ocorre-me apenas um outro filme de animação.

Este é o meu eterno sonho. Tão intemporal que o renovo a cada instante. Tão intemporal que já não o distingo e mim próprio. Tão intemporal que não começa nem acaba, mas que encontra ponto de ancoragem em Ti. A cada passo procuro conquistar o impossível e finalmente deixar a era do gelo. Nesse
degelo que já um dia narrei, encontrarei “o calor de uma outra época de estio”.

Pontos brilhantes

Assim, sem mais, me vais roubando a tranquilidade dos dias banais. Talvez sem Te aperceberes, sem eu próprio me aperceber, vais cultivando esse espaço que nos separa e que ainda é tanto. E será tanto mais quanto maior o que se for construindo, porque há sentimentos que, ao contrário do que pensa o mundo, aumentam sempre o espaço que existe entre as pessoas. Aumentam diminuindo, como no tal paradoxo de Zeno Aquiles nunca alcança a tartaruga, apesar de ficar sempre mais próximo. Porque a proximidade implica sempre mais e mais para descobrir. Porque esse coisa de ousar querer-Te não tem fundo nem fim.
Assim, sem mais, vamos caminhando para o limite zero da função, para esse infinito de sorrisos e olhares, para o conforto de te saber aí e, um dia, Te poder roubar. Enquanto e não, fica a magia da descoberta, de querer saber mais. Fica a vontade de estar acordado, deitado por baixo da minha janela de sótão a ver o céu escuro e, como um puto, perguntar como no filme de animação: “O que será que são aqueles pontos brilhantes lá em cima?”. E entre suspiros ouvir: “Eu acho que são pirilampos colados naquela enorme coisa azul”.
Pirilampos ou estrelas, espero esquecer-me deles no dia em que, sob o mesmo céu, Te der a mão e o mundo fores apenas Tu.