Vemo-nos por aí...

terça-feira, 22 de abril de 2008

Tímida ausência

Arredado até de mim, deixei-me ficar pelo ponto de indefinição em que muitas vezes me encontro. Nem por isso deixei de rabiscar algumas palavras que fui guardando só para mim.
Por aí, onde tantas vezes me perdi, onde outras tantas te achei e onde algumas vezes, poucas, me viste, continuo a busca errante da terra prometida, paraíso de uns, martírio de outros, mas sempre, sempre, arrebatadoramente voraz.
Sinto muitas vezes o declive da montanha, esse desafio simples quando partilhado. Enquanto e não, vou dando pequenos passos furtivos, roubando com cautela um pouco mais de caminho, diminuindo aos poucos essa distancia sentida não sei de quê.
Olho ainda para trás, hesitante. Na força de um novo passo vou apagando as dores antigas que me perseguem. Paro, é noite. Acendo a lareira e enfim medito. Que mais sei eu fazer, afinal?

Labaredas de mil cores
que ardem na lareira
queimem as minhas dores
levem-me para a vossa beira
onde o rubro se transforma
na mais branca cinza
e pó voltando a ser
se iguala ao que me consome
chama morta
viva sombra
no coração que já não dorme!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Leva-me...

Altas horas. Não  sei quantas, nem se contáveis. Pouco importa. Como sempre, percorria as insondáveis arestas do céu procurando perceber tanta geometria abstracta desenhada aparentemente ao desbarato.  Eram mesmo muitas horas e nem por isso havia reparado.  Acho agora que o fazia propositadamente, tão esquecido estava do resto do mundo ou dele quase todo.

Não fosse o ruidoso silêncio da noite e teria acordado toda a gente da rua estreitinha onde me escondo e,  às vezes, muitas vezes, espreito o mundo.  Respondia compassadamente a cada sorriso que deixava escapar. Quase audíveis, sorriso e coração dançavam alegremente, tontamente, ao som da melodia fluida que ia desaguando em leves suspiros intranquilos.

Aos poucos vais-me convidando para entrar. Entre as ilusões que quero, mas não consigo evitar e os sonhos que tenho, mas nem sempre consigo abraçar, vou cedendo lentamente. Marotice tua, levares-me  assim aos poucos contigo!

Permito.  Permito que me leves aos poucos. Permito que me leves contigo.  Permito, permito-me, essa visão sempre deslumbrante de um mundo novo. Olho o êxtase que me envolve e retribuo com um esboço de lábios. 

Chegará o dia em que nada mais haverá para levar. Chegará a noite em que não irei contigo nem tu me virás procurar. Nesse dia pés descalços tocar-se-ão levemente e, sem nada dizer, num surdo abraço esperado, saberás, saberei, que a busca cessou e o caminho partilhado se inicia.  Espero. 

 

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Escolhas

Abafado pelos trabalhos de todos os dias, pelas rotinas quotidianas e pela azáfama do tempo que parece desaguar num eterno abismo intangível, vou encontrando ainda tempo para olhar o céu. Procuro com olhos cintilantes o que nunca esqueci afinal, esse sentimento ancestral que torna a lua de todos os dias muito mais brilhante. Num passo trémulo, hesitante, vou tacteando de mansinho mundos adormecidos.
No meu quase-mundo interior degladiam-se o medo e o risco. O medo de acordar o que a custo adormeceu e o risco de abraçar esse novo universo. Procuro as respostas na pouca sabedoria que fui acumulando e na poesia que tento escrever. Nas garatujas que desenho espero encontrar-te e, enfim, viver...

terça-feira, 15 de abril de 2008

Página branca

Novos poemas se escrevem
em lisas páginas brancas,
de livros que se abrem
pelos mundos cruzados
onde se procura,
na caixa-de-pandora,
o segredo brutal
escondido
nas metáforas de um tempo ido
que se vai tornando real.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Música falada

Entre o estudo das matérias obrigatórias e as ávidas leituras em que me esqueço, foram passando os dias em que a ausência se nota mais forte. Não que seja maior agora, mas porque nestes dias em que tudo pára se ouvem mais risos, se vêem mais abraços, se sente mais a alegria que enche as noites.
Como de costume, sorri para o mundo, mostrando a tranquilidade que nem sempre senti, mas que depois destes anos todos ainda continuo a disfarçar muito bem. Entre a resignação da alma e a prisão voluntária no meu cárcere de sempre, optei pela terceira via. Assim, sem mais.
Mesmo para programa de última hora, partilhado apenas com os segredos de que nunca me afasto, foi bestial. Naquela sala escura, quase vazia de gente, voei como não o fazia há muito. Deixei-me afundar na cadeira confortável e, propositadamente, fechei os olhos e fiquei naquele estado quase hipnótico, interrompido a espaços pelas palmas de fim de música e pelos agradecimentos do Tord Gustavsen. No conforto do momento, ecoavam ao ritmo da música outras conversas fantásticas. Aconcheguei-me no conforto dessas palavras e perdi-me nas coincidências que me têm feito sorrir.
Senti, por momentos, que aquele trio tocava apenas para mim, na cadência dos meus próprios sonhos, em sintonia total com as ondas dos meus pensamentos. Tentei ainda eternizar tudo aquilo, prolongar o sorriso que, percebi, fui largando ao imaginário em que me tinha refugiado. Levei, por isso, para o me pequeno espaço, presa numa caixinha quadrada, essa rodinha mágica que toca sons. Não foi a mesma coisa, mas senti-me próximo…

sábado, 12 de abril de 2008

Repetições

Repito incessantemente as palavras,
sem mais nada saber dizer
que continuo fugido
nas páginas lavras,
e no que há ainda para escrever,
neste meu mundo perdido.

Pensamentos repetidos em metáforas gastas,
em frases cansadas da imensidão
de tudo narrar…
Tento encontrar nas paisagens vastas
o que apague a ilusão
de tanto esperar.

Talvez depois da aurora,
metamorfose de sonhos reais,
se escreva em pergaminhos
e se inventem sem demora
novos pontos cardeais
que apontem outros caminhos.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Uma noite mais (ou menos)

Cansado, noite dentro, regresso ao pequeno espaço que todos os dias me acolhe já tarde. Percorro, sem pensar, o curto caminho que me separa desse idílio. Entro, escuto o silêncio confrangedor de quem se sabe esquecido. Reparo na ausência de todos os dias, sentado no sofá amarelo onde se dilui o meu corpo. Copiosamente cumpro meus rituais de escrita, entregando-me por completo à quase-poesia que vou tentando escrever. Entre uma caneca de leite quente e os rascunhos que vou desenhando, divago para lá do meu pequeno espaço. Flúi a alma, expande-se o espírito, e sinto a liberdade. Voo alado pelos mundos imaginados do Sagan, pelas ilhas misteriosas de Verne. Em todas procuro o que parece não existir, essa metamorfose que transformará definitivamente o ser. Nesse momento, deixarei de voar em sonhos, mas muitos sonhos voarão.
Por enquanto, vou ouvindo questões alheias das quais sei já a resposta. Como esta noite findará? Será preciso responder…

Abraço(s)

Incapaz de descer da minha torre, vou tentando aproximações ao mundo que quero abraçar. Refém das tais letras soltas, que prendo em densas metáforas protectoras, derivo entre as possíveis realidades das ideias. Esses mundos paralelos, que se tangenciam no ponto mágico da realidade partilhada. Errante de um, desconfiado do outro, procuro o equilíbrio num abraço que possa retribuir e em tanto mais que se pode sentir.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Folheando

Solto letras ao desbarato
em abecedários sem fim,
em páginas de histórias
de personagens já esquecidas,
em vidas tolhidas
de gentes sem memórias,
que já nem me falam a mim.
São mundos encerrados
nas capas que não abro,
escondidos, até ver,
nas lombadas do acaso,
arco-iris de tanta cor,
que vive no estreito corredor
onde todos os dias passo.

Lembro agora vagamente
multidões que se sucederam,
como cores que desbotaram
no tempo que as consome,
na alma que jazendo dorme,
pacientemente…

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Lentamente veloz


Correm velozes as memórias de um Eu que nunca existiu. Perseguem-me imagens de gentes sem rosto, estranhas lembranças de sonhos não partilhados. Saio para a rua numa tentativa de me diluir no cinzento do céu e me esconder entre a chuva fria que cai. Em passo lento de marcha fúnebre, vou percorrendo as ruelas da cidade fantasma onde resolvi hibernar. Atlântida invertida, em que a utopia se reforça nas esperanças perdidas do seu único habitante e não, como nos contos de fadas, na intrépida coragem dos heróis que a procuram. Praticamente submersa, vai-se mostrando de quando em quando, nos dias das águas tranquilas da maré vaza, do sol sem ocaso, do eterno luar.
Dobro esquinas sem fim, em percursos circulares, sem nada aguardar que não o cansaço. Desse, posso esperar sem augústia a certeza de uma noite de sono. Acordarei várias vezes ainda assim, pensando ouvir finalmente as portas da cidade a abrirem…

domingo, 6 de abril de 2008

Coincidências

Vou vagueando em Para-lá-do-mundo. Permito-me raras vezes uma subida à superfície e uma espreitadela pelo canto da alma escondida. Recolho-me quase sempre de imediato, suspirando pelo que não vi e desiludido pelo que encontrei. Procuro uma nova simbologia que me traga outros significados.
Se algumas vezes me encanto e abro um pouco mais a porta, deixando-me encadear pela luz brilhante, logo percebo, depois de os olhos se habituarem, da pura ilusão em que me envolvi. Se algumas vezes fecho a porta precipitadamente, negando a felicidade que procuro, apenas protejo os escombros que ainda restam. Entre uma e outra, espero descobrir aquele sorriso, aquele olhar, aquele abraço. Aquela réstia de esperança e de certeza, da mais pura certeza de que tocar as estrelas é possível…

Neste caminho sem fim, entre o abismo da ausência e o precipício vazio do amor, também há coincidências!

Tenho vontade

Tenho vontade de abraçar
de voar pelo espaço aberto
de ir até ao fundo
para te sentir perto.
Tenho vontade de correr por aí
sem olhar para trás
sem pensar que vivi
uma história fugaz.
Tenho vontade de ouvir
essa canção de amar
esse verbo do sentir
que nem sei conjugar.
Tenho vontade do tanto
que não me cabe no peito
de ouvir contigo o canto
do amor perfeito.

Onde andas que não te sei?
Em que mundo não nasceste?
Em que universo te perdeste?
Tu, com quem sempre sonhei…

Em que noite de encantar,
perdida de luar,
te poderei eu encontrar?

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Sonhos eternos

Recorrente é a queixa de falta de tempo, esse lugar comum em que nos escondemos facilmente. No fim de um dia de trabalho, ainda preso à secretária de todos os dias e antes de iniciar as dezenas de kilómetros que ainda tenho que percorrer sozinho, noite dentro, recordo o símbolo de uma sociedade justa e fraterna.

Deixando por momentos o isolamento da minha torre, junto-me às gentes que evocam essa figura impar e revejo as imagens atemporais que, a espaços, vemos rodar no pequeno ecrã.

Quanto temos ainda para sonhar! Continuamos cativos da mediocridade das maiorias, dos pressupostos seculares, dos cânones religiosos. Fingimos tradições, aceitamos convenções, admitimos regras sem sentido nem fundamento, justificamos moralidades. Consentimos tolerância quando deveríamos exigir igualdade. Escondemos a nossa humanidade, abafamos tantas formas possíveis de amor e de amar.

Muito há ainda a fazer, mas hoje, quarenta anos depois, percebemos que não estamos sós.

Because you had a dream, we have, today, a better world. Thanks!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Menos eu...

Atirar-me ao mundo das palavras sem resposta, no silêncio do meu espaço, num interior que não partilho, é um dos poucos momentos de total liberdade que ainda sinto. De puro prazer de sorrir para mim, à falta de rostos que o façam. Por isso, em dias como hoje, em que o tempo pouco permite, sinto-me menos eu por pouco poder dizer. Deixo, por respeito à consideração que tiveste em passar por aqui, mesmo que de fugida, um texto de Lord Byron. Menos eu, nada meu, mas muito melhor...


Encontro-me mais uma vez sobre as ondas, uma vez mais!
E erguem-se debaixo de mim as vagas como um corcel
que conhece o cavaleiro. Que o seu bramido seja bem-vindo!
Ah, que me guiem depressa, para qualquer lugar!
embora o mastro estremeça e se incline como um canavial
e as velas sejam impelidas, despedaçadas pelos ventos,
não posso deixar de prosseguir porque sou uma alga
arrancada das rochas que voga sobre a escuma do Oceano
para onde a arrastam as ondas e a respiração da tempestade.

Depois dos meus dias de paixão, alegria ou dor,
talvez a minha harpa, a minha alma se tenha quebrado
e delas nasça um áspero som; pode ser que inutilmente
procure cantar uma vez mais como outrora cantei;
embora seja tristes acordes, permanecer-lhes-ei fiel
desde que me arranquem a este penoso sonho
dum sofrimento e alegria egoístas, que espalham
à minha volta o esquecimento: e este tema
embora aos outros o não seja. tornar-se-à grato para mim.

Aquele que envelheceu neste mundo de provações
com trabalhos, não com anos, e ao mais íntimo da vida
desceu para que nada o surpreenda, e a quem o amor,
o desgosto, o renome, a ambição e as rivalidades
não vêm despedaçar o coração com um punhal acerado
duma silenciosa e viva dor - poderá dizer
por que o pensamento busca refúgio em antros solitários,
mas cheios de aéreas imagens, de antigas formas
sempre intactas, no refúgio assombrado da alma.

É para criar e, ao criarmos, viver
uma existência masi intensa, que às nossas visões
entregamos uma forma, recebendo ao doá-la
a vida que imaginamos, tal como o faço agora
Que sou eu? Nada! Todavia és diferente, tu, alma
do meu pensamento, com quem atravesso a terra
- invisível, mas vigilante -, enquanto me confundo
na luz do teu espírito, partilhando a tua origem
e sentindo as mesmas emoções vazias e perturbadas.

Ah, preciso de apalcar a minha loucura...Longamente
me detive em sombrios pensamentos, e o meu cérebro,
com o seu próprio redemoinho tão febril e exausto,
transformou-se num abismo de imaginação e chamas:
assim não tendo na juventude aprendido a vencer o coração,
ficaram as minhas fontes de vida envenenadas...
Ah, como é tarde! Embora me tenha trnsformado, sou ainda
o mesmo para aceitar a dor de tudo o que o tempo não apaga
e alimentar-me de frutos amargos, sem acusar o Destino.

[Encontro-me uma vez mais sobre as ondas, Lord Byron, Poesia Romântica Inglesa]

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Amplitudes térmicas

Aproxima-se a estação estival. O sol brilha agora mais alto e o calor vai-se espraiando por aí. A natureza desponta em toda a sua força e, com ela, as pessoas abrem-se em sorrisos sem intenção. Procuro também sorrir e desço agora mais vezes do alto da minha torre. Abandono o meu cárcere voluntário das horas banais, onde antes me prendia solidariamente, e percorro essas ruas aquecidas pela boa disposição que toda a gente sente nesta época. Procuro deixar-me contagiar, aquecer-me nesse quente que não é meu. Continuo a sentir a mão fria e as diferenças de temperatura tornam-se cada vez evidentes.
Tento enganar-me e dispo o agasalho que me protege, essa sobrepeliz da tranquila bonomia de quem nada parece procurar. Inocente, chego a acreditar na minha própria mentira e, por breves momentos, ensaio um desses tais sorrisos sem intenção. Ilusão. Quando entrar no meu pequeno mundo, essa esfera em que habito e me perco, aquela sobrepeliz tornar-se-á inútil e terei que procurar novamente agasalho para o frio.