Vemo-nos por aí...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Mais perto

Como te quero aqui,
a ti,
bem perto,
tão certo
de te amar.

Como me sei aí,
olhando para ti,
e dizendo nada,
na hora sonhada
de te abraçar.

Como nos sei a nós,
chegados à foz
que se abre no horizonte,
numa nova fonte
para sempre a jorrar.

sábado, 27 de setembro de 2008

Tolices

Talvez tudo isto seja uma tolice! Talvez tanta filosofia seja uma tolice. Talvez o apelo constante aos elementos naturais seja também uma tolice. E uma tolice é também o grito mudo, a vã esperança, a banal tranquilidade.
Uma tolice tanta profundidade, tanto suspiro, tanto recolhimento. Uma tolice tanto silêncio, tanta e tão aborrecida complacência. Uma tolice até tanta suposta sapiência, espelhada nesses olhares longínquos que teimosamente lanço ao mundo. Uma tolice é Para-lá-do-mundo, este refúgio sentido dos sentidos. Uma tolice é tanto sentimento dirigido a um espectro de Ti, que continuas sem rosto, senão o que imaginação cansada ainda me permite.
Uma tolice até o desassossego que vou sentindo sem razão. Uma tolice este aperto que não me larga, esta lágrima que não cai de uma vez, este embargo na voz que não se solta. Uma tolice tantos sonhos, tantas telas, tantas paisagens inventadas. Uma tolice até toda a quase-poesia que escrevo, sopro inanimado que resiste.
Uma tolice é esquecer a simplicidade dessa coisa que é amar, teorizando reflectidamente sobre o que apenas se pode sentir. Tolice, tolice...
Tolice seja talvez esperar por Ti, mas tolice maior e definitiva seria desistir de Te encontrar. Tolice é, no fim das contas, não cantar a leveza da música, e sorrir, pelo caminho, chutando pedrinhas...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Outonos

Ai...
Como eu queria ser menino,
outra vez pequenino,
e espreitar de mansinho,
sentado à janela,
eterna sentinela
com olhinhos de sono,
o começo do Outono,
tão vivo e real,
de puras sinestesias
do fim do calor estival.

Ai...
Que suspiro tão diferente,
se ouve no tempo presente,
e como o Outono de agora
não tem os cheiros de outrora,
nem paisagens de tantas cores,
nem mil e um sabores.
Apenas perdido vagueia
o olhar pela janela,
eterna sentinela
que ontem esperava João Pestana
e hoje, hoje, alguém que ama.
(ou para amar!)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mimetismos, minimalismos e aforismos

A anedónia dos últimos tempos lentifica-me. O pensamento torna-se tão medíocre que, não fosse este ímpeto voraz de escrever, muito simplesmente me recolheria ao silêncio da Torre de Narciso, de onde nunca deveria ter saído. Talvez por isso me limite hoje a esse lugar-comum do mimetismo que, só não o é mais, porque ainda me resta a lucidez da escolha. Fragmento de um longo romance, sofrerá sempre da descontextualização das citações banais, minimalismo discursivo dos que procuram nos aforismos panaceias para males maiores.

Numa das suas muitas conversas com Hayward, Philip explica-lhe porque devora livros e leituras avulsamente. "Quando leio um livro tenho a impressão de que o faço apenas com os olhos, mas às vezes encontro uma passagem, talvez uma única frase que tem sentido para mim, e que se torna parte de mim mesmo. Tirei do livro tudo quanto me era útil e nada mais poderei extrair dele, ainda que torne a lê-lo uma dúzia de vezes. Tenho a impressão de que nós somos como um botão em flor: a maior parte das nossas leituras desliza sobre nós sem produzir o menor efeito, mas certas coisas, que têm para nós um sentido especial, abrem uma pétala: uma a uma as pétalas desabrocham, e por fim surge a flor”
(in Servidão Humana, Somerset Maugham, 1915).

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Regresso (sem nunca ter partido)

Silêncio em Para-lá-do-mundo. Nem os gritos mudos de outro tempo se ouvem agora. Talvez seja apenas o regresso. O regresso desses tempos imemoriais da vazia tranquilidade de nada sentir. Esse sentimento de ancestralidade, de atemporalidade, que o desapego do mundo nos permite.
Do rosto agora impassível, nada se perscruta. Não esboço o riso de outrora, nem faço esforço para o oferecer aos outros. Impenetrável, olho o mundo com a generosidade de sempre, talvez o traço mais vincado que ainda vou mantendo.
Já não sinto sequer a necessidade de troçar de mim e, se o faço, é por perceber o paradoxo em que me afundo. Por perceber que a beleza do mundo e das pessoas sempre esteve no meu olhar, mas quanto mais o pressinto, maior é a generosidade que devoto, mais forte a complacência que dedico e tanta mais tranquilidade transpiro.
Suspiros? Alguns ainda. Possivelmente por essa outra coisa que acompanha a generosidade, a esperança. A esperança de te encontrar e, por fim, não ter medo de acordar.