Vemo-nos por aí...

sábado, 22 de novembro de 2008

Gota de água

Ficou a promessa de escrever um texto, e pedindo desculpa aos leitores que teimosamente insistem em regressar a Para-lá-do-mundo, personalizá-lo e dedicá-lo a ti, leitor atento. Promessa vã? Não, de modo algum. Apenas os constrangimentos de longas horas de trabalho e as correrias a que o tempo obriga, não permitiram a pontualidade que gostaria. Ainda assim, nos curtos momentos em que o olhar se ia perdendo na paisagem da rua, fui pensando nas palavras simples que te podia dizer, reflexos de sentimentos que se misturam e confundem nas histórias da existência comum, nas reflexões já partilhadas e nas coincidências que marcam estes tempos.
Árduo corolário de todo um percurso, esse momento agora passado não deixa de ser a mais ínfima gota de água num oceano de sucessos e conquistas. Sucessos e conquistas?, perguntas tu e questionam outros leitores também atentos, mas completamente alheios. Sucessos e conquistas, repito com o sorriso tranquilo que nunca escondo.
Sucessos e conquistas são essa coisa extraordinária que aprendemos a ver com Quixote. Essa coisa que independentemente da leitura dos outros e do mundo, nos traz um sabor especial, um sentido novo, uma nova visão, um significado para lá do que os outros podem entender.
Assim ganha forma a gota de água. Não dizem todos que Quixote lutou com moinhos? Que tomou por Senhor do Castelo um estalajadeiro? Que lutou contra monges achando que eram farsantes? Que foi maltratado pelos prisioneiros a quem deu a liberdade? Que foi humilhado por senhores abastados? E tantas e tão duras provas que todos insistem em tomar por desventuras.
No fundo, no fundo, ninguém percebeu como, no final, o herói descobriu o que tanto procurava, mas que só o reconheceu por esse saber acumulado em tantas aventuras. Só ele foi capaz de dar significado àqueles últimos momentos do seu longo trajecto e terminar a história sorrindo. Cada uma dessas aventuras, isoladamente, é uma pequenina gota de água cheia de significado.
Porque pouco posso dizer, mas porque de alguma forma vou estando presente, aqui fica, para ti, esse poema tão especial e verdadeiro do Torga.

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Vontades

Que vontade de te olhar,
de te abraçar
e, entre sorrisos,
te beijar...

Que vontade de te dar a mão,
de te deitar no chão
e, entre sussurros,
te amar...

Que vontade de te ter aqui,
te sentir
e, entre promessas,
partir...

Que vontade de tantos gestos,
onde possa jogar
esse outro jogo
dos afectos...



segunda-feira, 10 de novembro de 2008

(Entre) Sinais


Entre vivos e defuntos, entre os que se vão ficando e os que ficando já se foram. Não, não são paradoxos retóricos nem sentenças banais. São antes todos os sinais que não deixam esquecer, são os momentos em que se recorda, esperando isso mesmo, um sinal. Um sinal de ti.
É este o dilema eterno, aquele que nos coloca na encruzilhada da decisão, no ponto mágico da escolha e do início da aventura. Aquele em que se deixam os jogos de esconde-esconde dos olhares e das palavras e se avança, como Quixote, lutando loucamente contra os gigantes. Moinhos, repetem os sensatos. Não, gigantes.


Os meus olhos são uns olhos,
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
nao vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos, diz flores!
De tudo o mesmo se diz!
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente!!

Inutil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos!
Onde Sancho vê moinhos,
D.Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos!
Vê gigantes? São gigantes!
(Impressão digital, António Gedeão)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

When the stars go blue

Fim de semana. Cansado, apago a última luz de um gabinete já deserto de gente e de barulho. Num último reflexo, abro a janela que ladeia a secretária e, de um fôlego, aspiro a frescura de uma noite que me abraça. Vejo-te espelhado num céu salpicado de pontinhos que se tornam mais e mais brilhantes quando esboço um sorriso.
Sinto aquele aperto de dúvida, aquele arrepio de aventura, o medo risonho de quem hesita. De quem hesita entre o conforto de não arriscar e o risco de avançar, de te dar a mão e beijar.
Por enquanto, como quando era menino, ficam os jogos de esconde-esconde, disfarçados na timidez dos olhares e das palavras.


sábado, 1 de novembro de 2008

Arte de Perder

Perder, essa negra arte do sentir, é a mais forte evidência de amar, dicotomia que se justifica a si mesma. Dilúvio dos sentidos, perder é a certeza de voltar a sorrir, circularidade do caminho, eterna possibilidade de reconstruir.

The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
(On Art by Elizabeth Bishop, 1927-1979)