Vemo-nos por aí...

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Pontas Soltas

Entre as deambulações do quotidiano, esse vaivém de tudo fazer, onde todos se escondem na pressa que não têm, refúgio de conforto e segurança, vamos encontrando pontas soltas. Pontas soltas desse novelo de vida em que nos enredamos, escapatórias de ternura e verdade. Vão surgindo aqui e ali com a regularidade que lhe quisermos imprimir, mais ou menos alheias à propria teoria do caos, justificação académica para a aparente aleatoriedade do mundo. 
Nessas pontas soltas, comovente simplicidade do gesto, encontramos a grandeza que nunca julgamos possível. Aí, voltamos todos a ser o que sempre fomos, pequenos, muito pequenos. ridiculamente pequenos. Nem por isso são pequenos os gestos e nem por isso podemos deixar de crescer infinitamente. 

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

[Fernando Pessoa, Poesias]

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