Vemo-nos por aí...

domingo, 25 de maio de 2008

Espera(nça)

Silêncio em Para-lá-do-mundo. Longas horas de silêncio e concentração. Esperas tu, leitor atento, as palavras diárias a que sempre te acostumei. Esperas a reflexão das auroras nascentes, das luas cheias brilhantes que fui cantando, dos arco-iris de mil cores, das estrelas cintilantes. Esperas, pacientemente, tudo a quanto te habituei. As labaredas ardentes, os sois escaldantes, os sonhos eternos em cárceres voluntários, a luz do farol, as aventuras quixotescas, os desventuras sancho-panchecas. Esperas até as personagens de banda desenhada que, noutros tempos, invoquei. Esperas deuses mortos, homens vivos. Desalentos e ilusões. Amores e desamores. Esperas tudo o que te narro nas tranquilas horas banais, nessa doce bonomia do ocaso e das cantigas de embalar.
E o que é o silêncio senão espera? Inaudível suspiro de amor eterno e esperança. Coutada onde me perco e vou sonhando outras vidas, outras histórias de encantar. Refúgio do mundo e até de mim onde, ainda assim, te espero encontrar, a ti, a quem não me canso de buscar.
Diga o Torga o que se me prende na voz e cante a música o que nos une a nós. 


Ver o mundo de baixo, como um céu
Onde se há-de subir;
Onde a vida nasceu
E onde tem, afinal, de se cumprir.

Erguer os olhos à divina altura
De uma ladeira de terra semeada;
À imensidão da lura
Onde cresce a ninhada

Ver astros, nuvens, tempestades, mitos,
Onde há luas, quimeras, ambições, desejos
Onde há gritos
E beijos.

[Aventurança, Miguel Torga, in Libertação]


Sem comentários: