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quarta-feira, 19 de março de 2008

Quedas

Permite-me hoje, leitor atento, depois da ausência forçada destes dias, que me dirija directamente a um leitor quase desconhecido, e quase não é pormenor. Não que estas palavras soltas não possam ser de todos os que as queiram suas, mas antes porque me sinto devedor de uma reflexão e apenas isso, uma reflexão.

Dizias-me tu, na tua simpática atenção quero supor, que me acautelasse, não fosse cair do alto da minha torre. Sim, da minha torre. Esse espaço de onde vejo o mundo quase todo, de onde toco o meu infinito finito. Esse lugar de sapiência forçada para onde há muito fui desterrado. E desterrado é a mais pura das verdades. Talvez não o tenhas percebido, admito.
Quedas, escreveste tu. Duas falácias rotundas numa palavra tão simples, perdoa-me a impertinência. A primeira delas, não tão explicita como a outra, é a de que eu estarei num alto de superioridade e, repara, escrevo alto de superioridade, optando descaradamente pela redundância. A segunda é de que a queda é uma qualquer coisa negativa. Comuns, mas erradas.
Permanecer quase sábio não pressupõe nenhuma elevação do ser, da mesma forma que abençoar o infinito nada tem de superior. Bem pelo contrário e, por isso, dizia que um dia também eu ousei ser humano, abençoado. Aí sim, te mostraria temerariamente toda a grandeza, a dimensão dos que descobrem o tal segredo. Daqueles que são capazes de tocar o que eu apenas contemplo do alto da minha torre. Esses que esboçam sorrisos correspondidos, que choram a alegria, que suspiram de saudade, que sentem o toque da mão.
Derivamos daqui, tranquilamente, para a segunda falácia. Cair do alto da torre nada mais é do que cair na humanidade que apenas abraço e humanizar-me também. Ser abençoado e palpar o infinito. Ficar encandeado pela luz e acreditar que o mundo afinal é redondo.

Recolho-me à exiguidade dos habitantes das torres e peço-te, como da primeira vez que aqui vieste, a 'simpática benevolência que a imperfeição pressupõe e que a compreensão não dispensa'. E apenas te pergunto, porque achas que Seth, em City of Angels, se quis também humanizar precipitando-se no mundo com aquela queda?

2 comentários:

Anónimo disse...

Não tomes como hostil o meu comentário, ele resulta apenas da minha interpretação das tuas palavras, provavelmente uma interpretação descontextualizada. Tu saberás, melhor do que ninguém, o verdadeiro significado delas.

Não vi o filme que referes, mas deixo-te o excerto de uma canção do Luís Represas:

"...Pode ser que um dia vá tropeçar no amor e cair de pé em frente do sol..."

Quasimodo disse...

Não tomei como hostil, de modo algum, e peço desculpa se foi essa a ideia que deixei transparecer. Agradeço os teus comentários, porque os sei reflectidos e porque os tenho em altíssima consideração.

Aconselho o filme. Mesmo não sendo um ícone da sétima arte, pertence ao grupo dos filmes simpáticos e, por isso, sempre agradáveis.

Agradeço o excerto. Aproveitei para conhecer a letra completa. Como sempre, uma escolha certeira.

Como forma de retribuição, a minha primeira reflexão depois deste curto retiro é-te dirigida.