No refúgio onde ontem me escondi, encontrei os sublinhados que em tempos idos deixei nas páginas de um livro de Miguel de Unamuno. Nessa altura, bem me recordo, com o lápis de cor verde marquei aquele pensamento profundo e dei-lhe apenas a importância de quem reconhece num bom texto as reflexões poderosas que a razão permite entender.
Nesta noite de insónia, regressado já do Jardim dos Prodígios, peguei sem qualquer pretensão nesse pedaço de vida já antigo e percorri alguns capítulos. Detive-me naquela impressão digital de cor verde que um dia deixei. Rapidamente me esqueci de mim, rapidamente me esqueci do mundo e entrei no buraco negro do alheamento total. A razão de outro tempo deu lugar à emoção e aquelas palavras tornaram-se minhas, renasceram. Até a pergunta final se personalizou agora, desenhando rostos no ar frio da minha noite. Envolvido, ali fiquei, relendo vezes sem conta a impressão digital que partilho agora contigo. Sendo minha, poderá também ser tua.
Aventura-te por dentro de ti mesmo, remexe e aprofunda. Há amores que não conseguem transbordar do copo que os contém e que se derramam para dentro, e há-os inconfundíveis, os que o destino formidável oprime e aprisiona no ninho de que brotam; é o seu próprio excesso que os tolhe e encerra; a sua tremenda fatalidade sublima-os e engrandece-os. E, aprisionados, envergonhando-se e ocultando-se dentro de si próprios, tudo fazendo para se aniquilar, lutando por morrer, pois não podem florescer à luz do dia e à vista de todos, e muito menos frutificar, tornam-se paixão de glória e de imortalidade e de heroísmo. […]
Grande é a paixão que rompe com tudo e transgride leis e arrasta atrás de si as normas e desencadeia torrencialmente o seu caudal transbordante; maior se torna ainda quando, com receio de se misturar com as terras que há-de arrastar na sua furiosa arremetida, em si se concentra e condensa, como se quisesse engolir-se a si própria, lutando para se desembaraçar na própria impossibilidade, e acaba por rebentar para dentro convertendo num imenso pélago o coração. Não foi isto que te aconteceu?
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
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