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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Impressão digital

No refúgio onde ontem me escondi, encontrei os sublinhados que em tempos idos deixei nas páginas de um livro de Miguel de Unamuno. Nessa altura, bem me recordo, com o lápis de cor verde marquei aquele pensamento profundo e dei-lhe apenas a importância de quem reconhece num bom texto as reflexões poderosas que a razão permite entender.
Nesta noite de insónia, regressado já do Jardim dos Prodígios, peguei sem qualquer pretensão nesse pedaço de vida já antigo e percorri alguns capítulos. Detive-me naquela impressão digital de cor verde que um dia deixei. Rapidamente me esqueci de mim, rapidamente me esqueci do mundo e entrei no buraco negro do alheamento total. A razão de outro tempo deu lugar à emoção e aquelas palavras tornaram-se minhas, renasceram. Até a pergunta final se personalizou agora, desenhando rostos no ar frio da minha noite. Envolvido, ali fiquei, relendo vezes sem conta a impressão digital que partilho agora contigo. Sendo minha, poderá também ser tua.

Aventura-te por dentro de ti mesmo, remexe e aprofunda. Há amores que não conseguem transbordar do copo que os contém e que se derramam para dentro, e há-os inconfundíveis, os que o destino formidável oprime e aprisiona no ninho de que brotam; é o seu próprio excesso que os tolhe e encerra; a sua tremenda fatalidade sublima-os e engrandece-os. E, aprisionados, envergonhando-se e ocultando-se dentro de si próprios, tudo fazendo para se aniquilar, lutando por morrer, pois não podem florescer à luz do dia e à vista de todos, e muito menos frutificar, tornam-se paixão de glória e de imortalidade e de heroísmo. […]
Grande é a paixão que rompe com tudo e transgride leis e arrasta atrás de si as normas e desencadeia torrencialmente o seu caudal transbordante; maior se torna ainda quando, com receio de se misturar com as terras que há-de arrastar na sua furiosa arremetida, em si se concentra e condensa, como se quisesse engolir-se a si própria, lutando para se desembaraçar na própria impossibilidade, e acaba por rebentar para dentro convertendo num imenso pélago o coração. Não foi isto que te aconteceu?

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