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terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Snobismo

Na indolência das longas horas de solidária solidão, lanço de mim para mim alguns sorrisos cúmplices. Desses sorrisos que só a tranquilidade do espírito e uma certa dose de estupidez natural permite. De quando em quando um pequeno sorriso audível se poderia perceber, não fosse a ausência partilhada de outras gentes e outros mundos.
William James, esse velho amigo de conselhos profundos, deita-me um olhar sabido, quase para lá dos tempos. Nos olhares e acenos que por momentos trocamos, vai fluindo aquele texto fantástico onde um dia aprendi as perspectivas possíveis de olhares diversos. Hoje, mais do que nunca, fazem todo o sentido aquelas palavras. “Quando duas pessoas se encontram há, na verdade, seis pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é”.
Humildemente me retrato, velho amigo, pelo topete intelectual de acrescentar algumas vírgulas ao teu trabalho. Poderias sempre ter acrescentado mais duas pessoas: cada pessoa como acha que a outra a vê. Terias agora oito e não seis e, neste impulso quase doentio, derivar eternamente. Dez, doze, catorze…
Bem sei o que diz esse teu olhar cansado. Que me prendo constantemente a esse velho argumento do cognitivismo. Que a Teoria do Homúnculo é retórica oitocentista. Mas como são belas estas derivações. Como podemos facilmente passar de seis para oito e para dez e para doze, da mesma forma que os outros viam homens dentro da cabeça de homens em derivações infinitas.
Sorrio. Balbucio lentamente essa palavra. Snobismo. Arrisco-me até a consultar um dicionário de etimologia das palavras. Sorrio novamente.
Não posso deixar de não reflectir nessa perspectiva e, enfim, confirmar de certo modo a velha crença que me persegue – o mundo não pensa para lá do aparente. Aqui, facilmente me enredo na argumentação, porque isto pode parecer em si superioridade. Sei que não o é, mas assim fico ainda mais preso. Seja!
Na distância que mantenho, na deferência que presto, nos olhares tranquilos que lanço ao mundo e aos outros, na cordialidade dos modos, na formalidade do trato e da postura, no respeito pelas convenções e protocolos, na intransigência da argumentação, no inconformismo pelas opiniões erradas, encontrei uma certa forma de ser e de estar. É obviamente uma parte de mim. Agora, snobismo? Snobismo?
Embora a acusação não seja nova nem estranha, não posso deixar de sorrir uma outra vez e concluir que de facto, o mundo vê pouco, muito pouco, para lá do que é aparente. Ao contrário do que se pensa, é preciso muito pouco para perceber muito. Mas talvez esteja a pedir de mais. Seja como for, tem a sua graça…

1 comentário:

Anónimo disse...

Quasimodo, este texto está muito engraçado. Gostei bué das relações, embora nem saiba quem é esse william james. Mas hei-de saber! ;)