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domingo, 10 de fevereiro de 2008

Desassossego

As horas vão correndo à velocidade dos dias que foram banais. A volúpia do tempo não acalma o desassossego que me cresce a cada dia e que vai aumentando na razão inversa da minha vontade. Sinto-me ficar prisioneiro. Sinto-me entrar num cárcere involuntário onde o mais provável é permanecer sozinho. Sinto um caminho conhecido que, sempre diferente, me mostrará possivelmente o que não quero ver.
Tento enganar os sentidos e fazer-me crer que o desassossego não te envolve, que nada tem de teu. Que é apenas a nostalgia dos dias banais que começam a desaparecer. Desses dias em que, como diria o amigo poeta, não há mais nada de novo que não eu. Nesses dias em que as nuvens não se espantam nem há estrelas a mais, em que não enlouquece ninguém.
Sei que não. Reconheço no tímido bater do coração o que começa a nascer. Reconheço no olhar atento a procura de um sinal de ti. Reconheço nas reflexões pessoais o pedaço de ti que já me persegue e que sei não será meu. Sei-te por aí, onde te encontrei, e vejo-me constantemente à tua procura…
Com a paciência de quem sabe já o que há, volto a pegar no livro eterno da minha cabeceira, que reservo apenas para quando o coração aperta. Tento enganar-me mais uma vez, percorrendo-o com o aleatório descomprometimento de quem nada procura por já ter encontrado algo. Nesse folhear sem intenção, o olhar prendesse num retrato que hoje sei ser meu.
Como nada mais te posso dar, como pouco mais posso esperar, como te sei mais distante do que gostaria, como me sei mais próximo do que desejaria e porque, mais do que tudo, prefiro o sofrimento solitário à comiseração partilhada, deixo-te esse retrato de mim, quase-copiado no Livro do Desassossego ao amigo Bernardo.

Espaçado, um vaga-lume vai sucedendo-se a si mesmo. Em torno, obscuro, o campo é uma grande falta de ruído que cheira quase-bem. A paz de tudo dói e pesa. Um tédio informe afoga-me.
A janela do quarto onde dormirei deita para o campo aberto, para um campo indefinido, que é todos os campos, para a grande noite vagamente constelada onde uma aragem que se não ouve se sente. Sentado à janela, contemplo com os sentidos esta coisa nenhuma da vida universal, desde a invisibilidade visível de tudo até à madeira vagamente rugosa de ter estalado a tinta velha do parapeito branquejante, onde está estendidamente apoiada a minha mão esquerda.
Quantas vezes, contudo, não anseio visualmente por esta paz de onde fugiria agora contigo, se fosse fácil. Quantas vezes julgo crer […] que a paz, a prosa, o definitivo estariam antes aqui, entre os sentimentos sofridos, do que ali, longe, onde te espreito. E, agora, aqui, sinto-me desassossegado, cansado a bem, estou intranquilo, estou preso, estou…
Não sei se é a mim que acontece, se a todos a quem a civilização faz nascer isto pela segunda vez, pela terceira, pela quarta… Mas parece-me que para mim, ou para os que sentem como eu, o coração fica mais pequeno, mesmo acolhendo algo muito maior do que eu …


Como gostaria de me enganar! Como gostaria que o mesmo desassossego despertasse desta vez o sorriso que há muito escondi do mundo…

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