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terça-feira, 20 de março de 2012

Noruz

Na aurora da primavera-boreal todos os teus sentidos são natureza. Num hipersensibilidade quando angustiante ouves as ervas a crescer, as flores a desabrochar, sentes o cheiro de outras terras, paragens distantes que viajam com o vento sul que, finalmente, começou a soprar. Vês areias a moveram-se, como se ganhassem vida, e o mar, o mar, com a mesma energia contagiante de sempre, mas agora ainda mais azul. Sentes até o movimento de rotação e, subindo no alto de uma montanha estarás capaz de sentir o vento celeste da translação. Abrindo os braços, acharás que é teu o leme do mundo e que és tu que conduzes esta enorme bola redonda. Gritas alto o berro dos conquistadores, dos intrépidos exploradores dos sentidos. Sentes a explosão de cheiros e sabores e ruídos e visões e, nessa embriaguez, sentes a confiança inabalável de procurar o sexto sentido. Sim o sexto. Esse estranho sentido que comprovas nos olhares de fogo, enquanto, absorto, te espraias no corpo de Eros.

Ah, leitor atento, que vais lançando âncoras em Para-lá-do-mundo, em ritmos que só tu entenderás. Também tu sentes Noruz, início de todos os sentidos. Também sentes borboletas na barriga e tens vontade de nadar nu, sob a lua cheia. De correr pela praia fora como se a linha da costa não terminasse nunca. De te sentir chapinhar nas ondas que rebentam, corpo solto ao ritmo da tua própria vontade. Inocentemente sentindo os sentidos, sem medo que as redundâncias te firam a sensibilidade estética. Não há estética hoje. Há apenas sentidos e vontade de sentir sentidos.

Sentiremos o frio no corpo e a força da lua cheia descobrindo a nudez. Dormiremos ao relento cheios de areia e sal. Acordaremos com os primeiros raios de sol. Patetice? Sabemos que não. O mundo é uma ilha deserta, ninguém vai reparar, e não podemos deixar de comemorar Noruz. Quem o faria?

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