Vemo-nos por aí...

domingo, 9 de março de 2008

(Des)fabular

Direito, mantenho o sobrolho carregado. A casa está cheia de convidados. Mantenho conversas de conveniência, respondo a um ou outro sorriso. Adopto a atitude vertical da distância que muitos conhecem. Tratam-me com a deferência que julgam ser adequada, reconhecendo na sobriedade da postura a autoridade inata que não tenho. Mantenho-me discreto e menos conversador do que o habitual. Minto cansaço para evitar respostas que não quero nem tenho que dar. Leio em alguns olhares a vontade de avançar um pouco mais, a necessidade do conforto de alguma proximidade.
Nem que quisesse, hoje não o poderia. Na verdade estou longe, muito longe. Apenas um espectro de mim se vai passeando pela sala. A cada minuto, escapo para o ar puro. Encosto-me ao muro de heras e, enfim, posso despir tanta segurança, tanta aparência. Olho intranquilo a transparência do céu azul. Sinto raios de sol a iluminar-me um rosto sombrio e fechado. Não há sorrisos nem suspiros. Não permito. Procuro o aconchego das paisagens filosofantes, tão pouco minhas. Sinto-me distante de tudo e de todos. Sinto frio e procuro-me lá longe. Percorro espaços comuns onde te sei andar. Silêncio.
Na desesperança do desamor, desabito horizontes sonhados. Desafogo-me de sentimentos onde mergulhei e venho à tona do desapego. A desarmonia do mundo reflecte apenas fragmentos de alma, ladrilhos disformes caindo em derrocada. Sinto as vertigens das desconscientes ilusões que alimentei e passeio-me agora entre destroços familiares, pedaços de um desencanto irreal onde, desnutrido, o coração se torna pequenino. Nada mais peço hoje que descanso…

1 comentário:

Quasimodo disse...

Respondo-me a mim, espelho das lutas fratricidas de vários “Eus”. E digo-me, levante-te tu que estás de pé. Leio-me alto a frase poderosa “ergo-te [homem] do fundo de não seres, para o teu novo fado”. Olham-se os dois “Eus”, temeridade e desalento em frente um do outro, vizinhos desconhecidos de um mesmo espaço. Dois vencedores na circularidade dos tempos. Resta-me apenas esperar que um vença mais do que o outro…