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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Humildemente me confesso


Sol brilhante que te levantas no horizonte distante quando, cansada, a alta lua se esconde. Tranquila indiferança a tua, raiando pela manhã. Ignoras o que sinto e o que na tua ausência se passou. Esperas de mim o sorriso leve que sempre te devolvo, mas hoje não. Hoje não!
Hoje olho perdidamente para lá de ti no canto escuro em que me encontro. Hoje sei que não nasceste para mim e, por isso, humildemente me confesso.


Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão em leme da nau
nesta deriva em que vou.

Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.

Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!

(in Livro das Horas, Miguel Torga)


Como espero sol alto, que na tua descida, nova descida sempre igual, receba o perdão que preciso e a cumplicidade que não sinto. E amanhã, amanhã nascerás outras vez…

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